PrEP injetável semestral vem aí

Postado por: Lucas Gazarini

Dezembro é o mês de conscientização sobre HIV/AIDS e, tradicionalmente, preparo um post sobre o tema. Atualmente, o cenário é muito promissor: estamos em meio a notícias recentes sobre novos pacientes curados da infecção após tratamentos inovadores e sobre a erradicação da transmissão vertical (mãe-filho) do HIV no Brasil. Muitos avanços recentes na prevenção do HIV dizem respeito a novas estratégias farmacológicas, especialmente à Profilaxia Pré-Exposição (PrEP). E o foco desse post é justamente nas novidades sobre a PrEP.

 

A evolução da PrEP como estratégia de prevenção ao HIV

A PrEP passou a ser oferecida pelo SUS em 2018, combinando dois antiviraistenofovir e entricitabina — em um comprimido de uso diário (Truvada®). Embora o uso seja majoritário entre a população LGBTQI+ e profissionais do sexo, a PrEP é recomendada para qualquer pessoa que adota comportamentos de risco, como múltiplos parceiros e pouca adesão a outras formas de prevenção (ex.: uso de preservativos). Você pode entender um pouco mais sobre a PrEP e a evolução das estratégias terapêuticas em postagens anteriores.

Mesmo revolucionário, o uso diário do comprimido pode reduzir a adesão e, consequentemente, a eficácia da PrEP, o que constitui uma limitação atual. Em 2023, o Brasil passou a adotar o protocolo de PrEP sob demanda, que permite o uso “pontual” dos comprimidos no dia da relação sexual e nos dias subsequentes (saiba mais nessa postagem anterior). Por manter a eficácia profilática e contornar a necessidade de uso diário, a PrEP sob demanda se popularizou entre pessoas que não têm uma vida sexual tão constante. Com essa medida simples, a cobertura da PrEP aumentou no país, adequando-se às necessidades de cada usuário.

Também em 2023, a ANVISA aprovou o registro de uma formulação de PrEP injetável, o Apretude® (cabotegravir). A maior vantagem do injetável seria a ação prolongada, por 2 meses, em comparação ao uso diário de comprimidos. Com isso, o usuário estaria protegido contra infecções pelo HIV por um ano, com 6 injeções intramusculares bimestrais, mantendo a eficácia da PrEP oral (saiba detalhes nessa postagem anterior). Por enquanto, a opção injetável ainda não está disponível na rede pública, o que limita o seu acesso amplo. O alto custo — algo próximo de R$ 4 mil/dose — ainda é o principal obstáculo à incorporação da PrEP injetável no SUS. Mas mesmo essa opção injetável pode se tornar obsoleta em breve, com opções de PrEP de longa duração ainda mais interessantes.

 

PrEP injetável semestral: o caso do lenacapavir

A imagem mostra a estrutura química complexa do lenacapavir

Estrutura química do lenacapavir.

O lenacapavir (Yeztugo®) é um antirretroviral inovador que impede a produção do capsídeo do HIV, uma estrutura que envolve e “protege” o material genético do vírus. Essa nova classe de antirretrovirais impede a replicação viral adequada e a liberação do material genético viral em células infectadas, o que explica a sua eficácia profilática. A principal vantagem do lenacapavir injetável é a longa duração da ação, que mantém a eficácia por até 6 meses. O medicamento injetável foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) nos EUA em 2022 (veja a bula), bem como pela União Europeia e pelo Canadá.

Nos últimos anos, novos resultados de estudos clínicos controlados confirmaram o lenacapavir injetável como uma estratégia de ponta na prevenção da infecção por HIV. Em meados de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso do lenacapavir injetável para prevenir infecções pelo HIV. A OMS também estabeleceu um protocolo clínico e diretrizes de uso do antiviral, com administração subcutânea a cada 6 meses. Pouco depois, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) também recomendou o medicamento injetável como estratégia de PrEP de longa ação, nos EUA. 

Claramente, todo o movimento para indicar e recomendar o uso do lenacapavir como PrEP de longa duração resultou de pesquisas que o embasaram. Os principais estudos clínicos de fase 3 que embasam o uso do lenacapavir como PrEP semestral tiveram resultados divulgados a partir de 2024. Os estudos PURPOSE tiveram como objetivo avaliar, ao longo do tempo, a eficácia da PrEP injetável em diferentes populações.

 

PURPOSE-1: lenacapavir de longa duração em mulheres cisgênero

Os resultados do estudo PURPOSE-1 foram publicados em outubro de 2024. Esse teste envolveu 5338 participantes, todas mulheres jovens (de 16 a 25 anos), cisgênero e que se relacionavam com homens. A exclusividade na inclusão de mulheres cisgênero é interessante justamente porque a maioria dos estudos com PrEP não foca nessa população, que acaba sendo pouco beneficiada pelas estratégias de profilaxia.

A imagem mostra a apresentação farmacêutica do medicamento Yeztugo®, com um frasco de vidro com rótulo com o nome comercial e informações como concentração do lenacapavir. O frasco translúcido contém um líquido amarelo.

Frasco do Yeztugo®, medicamento injetável contendo lenacapavir.

O estudo foi multicêntrico, randomizado e duplo-cego (fase 3). As participantes receberam injeções subcutâneas semestrais de lenacapavir ou, como PrEP oral convencional, comprimidos diários de entricitabina e tenofovir. Essa comparação com um tratamento reconhecidamente eficiente permite uma avaliação de “não-inferioridade: é possível avaliar se a injeção semestral é melhor — ou, pelo menos, tão efetiva quanto — a PrEP oral, já preconizada.

O tratamento foi mantido por um ano. Após esse período, houve 55 casos de HIV entre as participantes, mas nenhum entre as que receberam a PrEP injetável (incidência de 0%). A incidência de HIV entre as participantes que receberam PrEP oral variou entre 1,69% e 2,02%, número muito próximo da incidência local de infecções por HIV, de 2,41%. A maioria dos casos de HIV entre as participantes do estudo ocorreu entre aquelas com menor adesão à PrEP oral, com menores concentrações sanguíneas dos antivirais ao longo do estudo. Isso expõe o ponto fraco da PrEP oral: dificuldade em manter rigor no uso diário dos comprimidos.

 

PURPOSE-2: lenacapavir de longa duração em homens cisgênero e pessoas transgênero

Os resultados do estudo PURPOSE-2 foram publicados em abril de 2025. Todo o desenho experimental desse estudo foi muito semelhante ao do estudo anterior, com a principal diferença no perfil dos participantes. Aqui, foram incluídas 3265 pessoas com mais de 16 anos, entre as quais homens cisgênero e transgênero, mulheres transgênero e pessoas não binárias, que se relacionavam com homens cisgênero. O objetivo principal era confirmar a eficácia da PrEP injetável semestral em um público diverso quanto ao gênero e ao comportamento sexual.

Após um ano de tratamento, houve 11 casos de HIV entre os participantesA incidência foi de 0,93% no grupo que recebeu a PrEP oral (9 casos), mas de apenas 0,1% no grupo que recebeu a PrEP injetável (2 casos). Esses valores são muito inferiores à incidência local de HIV, próxima de 2,4%, o que comprova a eficácia das duas estratégias de PrEP avaliadas. Ainda assim, a PrEP injetável foi mais eficiente que a oral, com eficácia 89% superior.

 

Em que pé estamos agora?

Obviamente, o avanço no uso do lenacapavir como estratégia de PrEP semestral foi motivo de comemoração por diversas entidades de saúde no mundo, como a UNAIDS, OMS e a comunidade científica. A possibilidade de cobertura profilática anual contra o HIV com apenas duas injeções semestrais sana uma série de limitações apresentadas pela PrEP oral, principalmente no sentido de aumentar a comodidade e a adesão ao tratamento. Embora a vantagem seja “meramente farmacocinética” — ou seja, melhorando o perfil do regime terapêutico, com alterações na via de administração e na frequência de uso —, o impacto no combate ao HIV/AIDS é muito grande: regimes terapêuticos simplificados podem aumentar a cobertura mundial de pessoas protegidas pela PrEP, um passo importante no controle epidemiológico global.

Toda essa movimentação recente ainda não teve impactos no Brasil. O pedido de registro do lenacapavir no país foi feito em abril de 2025, ainda sem aprovação. Mesmo após a aprovação, essa opção de PrEP só estaria disponível para acesso amplo, via SUS, após análise de custo-benefício, o que não deve ocorrer antes de 2026. Novamente, assim como no caso do cabotegravir, a incorporação do lenacapavir ao SUS pode ser adiada por mais tempo devido ao provável alto custo: nos EUA, o tratamento pode custar até US$ 40 mil/ano. Portanto, seria necessário um acordo de redução de custos entre a indústria farmacêutica e o Ministério da Saúde antes que isso ocorra.

Mas antes da aprovação no país, outros resultados vão surgir (e já surgiram): um estudo recente investigou a possibilidade de uso de lenacapavir em uma única injeção intramuscular anual. Nesse caso, os níveis sanguíneos de lenacapavir foram mantidos por 12 meses, em níveis semelhantes aos observados na proteção contra o HIV nos estudos PURPOSE 1 e 2. Ainda é necessário confirmar a eficácia em um novo estudo clínico, já que esse estudo apenas fez inferências com base na concentração sanguínea do antiviral (estudo de fase 1). Mesmo assim, a perspectiva é de que novidades sobre a PrEP de longa ação apareçam por aqui em breve!

 

Veja nossas postagens anteriores sobre prevenção e tratamento do HIV/AIDS!

A evolução do tratamento farmacológico de pessoas que vivem com HIV

PrEP sob demanda = 2+1+1

Profilaxia pré-exposição para HIV com antiviral injetável pode chegar à rede pública em breve

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