Novo antidepressivo oral com mecanismo glutamatérgico é aprovado pelo FDA
Um novo fármaco foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para o manejo de transtornos depressivos. Bem, é essa a notícia, e talvez ela não seja muito chamativa, mesmo num mês de “visibilidade” à saúde mental. Isso porque vários dos últimos antidepressivos aprovados não representaram inovações claras no manejo dos transtornos de humor. Esse cenário talvez seja modificado pelo novo fármaco aprovado em meados de Agosto, e que pode trazer impactos significativos na farmacoterapia de quadros depressivos.
Antidepressivos novos, mas não inovadores?
O anúncio de um novo antidepressivo pode ser eclipsado pelo fato de que vários agentes dessa classe são aprovados todos os anos, sem representar, no entanto, grandes vantagens clínica claras no manejo dos transtornos do humor. Na maioria das vezes, esses agentes são fármacos “me-too“, criados após poucas mudanças na estrutura química de drogas já disponíveis. Embora esse processo gere uma nova substância (e um registro de patente, que é interesse da indústria farmacêutica), geralmente eles acompanham poucas vantagens farmacocinéticas (duração de efeito, vias de eliminação alternativas, etc.) e, raramente, alguma vantagem quanto à eficácia.
Um dos motivos para poucos avanços na eficácia desses fármacos pode ser a busca sustentada por fármacos com mecanismos de ação muito semelhantes, quase sempre baseados em ação serotoninérgica. Embora a serotonina seja um dos principais neurotransmissores associados ao manejo farmacológico da depressão, uma meta-análise atual apontou para evidências frágeis quanto às teorias que ligam diretamente esse transmissor com a fisiopatologia da depressão. Para muitos, esse estudo foi bombástico por “invalidar o uso de antidepressivos atuais“. Primeiramente, mesmo que a serotonina não seja em nada relacionada à origem da depressão, isso não invalida estudos clínicos de qualidade que apontam as evidências quanto ao uso desses fármacos no manejo da depressão (para diretrizes clínicas, clique aqui). Qualquer fármaco pode controlar sintomas sem atuar na origem neuroquímica de uma doença, para constar.
Mas além disso, para quem estuda a fisiopatologia da doença, o estudo não trouxe notícias chocantes: mesmo a teoria serotoninérgica – ou mais ampla, estendendo a outras monoaminas – não leva em conta a simples “alteração nas concentrações da serotonina” como cerne da doença, mas uma série de alterações em várias vias diferentes e que provavelmente interagem entre si. Sejamos sinceros, é um pouco ingênuo achar que uma doença psiquiátrica complexa como a depressão teria origem relacionada a um único neurotransmissor. Teorias mais atuais associam aspectos neurotróficos, neuroinflamatórios e neuroquímicos, incluindo neurotransmissores como o glutamato.
Um novo antidepressivo oral com mecanismo glutamatérgico
Em 19 de Agosto, a Axsome Therapeutics anunciou a aprovação de seu novo medicamento, o AUVELITY™, pelo FDA. O medicamento é uma combinação da bupropiona – um antidepressivo inibidor da recaptação de dopamina e noradrenalina – com o Dextrometorfano, um antagonista de receptores glutamatérgicos do tipo NMDA. Embora esse seja o mecanismo divulgado com frequência, a substância tem ação múltipla, incluindo a inibição na recaptação de serotonina e noradrenalina e ação direta em receptores de acetilcolina, histamina, noradrenalina e serotonina, que pode justificar seu efeito antidepressivo.
Embora a bupropiona seja um antidepressivo já conhecido, sua associação vai além desse efeito: por inibir a isoforma 2D6 do citocromo 450 (CYP2D6), a bupropiona reduz o metabolismo do dextrometorfano, aumentando sua duração de efeito. Como ele tem uma permanência curta no organismo, a associação de fármacos explora uma interação farmacocinética. Os comprimidos permitem a liberação controlada e prolongada dos fármacos associados, otimizando o regime terapêutico.
Embora não seja um fármaco novo (sua patente original data de 1949), dois estudos clínicos recentes apontaram para a eficácia antidepressiva e sustentaram a aprovação do novo medicamento.
Evidências clínicas com dextrometorfano como antidepressivo
O estudo de fase 2 com AUVELITY™ como antidepressivo foi publicado em maio deste ano no American Journal of Psychiatry. Esse teste clínico foi randomizado, duplo-cego e multicêntrico, avaliando 80 participantes de 18 a 65 anos com diagnóstico de transtorno depressivo maior com grau moderado ou severo. O tratamento foi feito com AUVELITY™ (105 mg de bupropiona + 45 mg de dextrometorfano) por 6 semanas, comparando o desfecho com participantes que tiveram o uso isolado de bupropiona, na mesma dose, como controle ativo. Os pacientes foram monitorados semanalmente com uma escala para sintomas depressivos (Montgomery-Asberg Depression Rating Scale; MADRS).
O uso do dextrometorfano foi associado à maior redução nos sintomas depressivos, com diferenças significativas após a primeira semana, indicando um efeito antidepressivo rápido. A taxa de resposta ao tratamento (redução em mais de 50% na escala de sintomas depressivos) foi de 60,5%, comparada a 40,5% no grupo controle. Os efeitos indesejados mais observados incluíram náusea, tontura e disfunção sexual, em frequências similares às causadas pela bupropiona, isoladamente.
O estudo de fase 3 (GEMINI: Glutamatergic and Monoaminergic Modulation in Depression; NCT04019704) foi publicado pouco tempo depois. O desenho experimental é muito parecido, mas com uma amostra maior (327 participantes), grupo controle com tratamento com placebo. Os resultados confirmaram a eficácia antidepressiva a partir da primeira semana de tratamento. Após 6 semanas de tratamento, houve 54% de taxa de resposta (vs. 34%) e remissão sintomática em 39,5% dos casos (vs. 17,3%). O perfil indesejado foi leve, com poucas diferenças comparado ao controle.
Antidepressivos glutamatérgicos: novo, de novo?
A perspectiva de agentes glutamatérgicos como antidepressivos não é nova. A atenção tem sido voltada ao glutamato há alguns anos, trazendo informações interessantes para o desenvolvimento de novos antidepressivo. Antagonistas glutamatérgicos tradicionalmente usados como anestésicos em procedimentos cirúrgicos, como a ketamina (ou cetamina), apresentam efeitos antidepressivos rápidos, mesmo em pacientes refratários ao tratamento convencional. Mesmo com o potencial inovador, a atividade alucinógena e potencial abusivo da ketamina limitam a possibilidade de uso amplo.
Em 2019, o isômero S-ketamina (ou esketamina) foi aprovado para uso na depressão como spray nasal. Particularidades farmacocinéticas favoreceram a aprovação, como menor impacto sistêmico, metabolismo e depuração mais rápidos, reduzindo o risco de efeitos indesejados. Mesmo com aprovação na ANVISA e disponibilização no mercado brasileiro em 2020, o medicamento tem custo elevado e limitações quanto à dispensação e uso domiciliar, sendo usado preferencialmente como “terapia de resgate” em pacientes com ideação suicida.
Esse cenário pode mudar com a aprovação do AUVELITY™. É importante ressaltar que o risco no uso do medicamento pode estar subestimado, já que a estrutura relacionada aos opioides faz do dextrometorfano um agente passível de abuso, mesmo que com aspectos farmacocinéticos mais favoráveis. Estudos maiores e mais longos realizados futuramente devem esclarecer esses pontos. No mais, embora os resultados sejam interessantes, mais estudos devem ser conduzidos com populações específicas (ex. pacientes com depressão resistente aos tratamentos convencionais) para avaliar a superioridade do tratamento.
Atenção: o medicamento ainda não está aprovado ou disponível no Brasil.
Muito importante a busca pelo melhor entendimento e de terapêuticas para essa patologia tão crescente. Obrigada e parabéns pelas importantes atualizações e por estarem sempre baseadas em evidências científicas.
=)
Quero saber sobre auvelite
Você pode saber mais em: https://falandofarmacologia.ufms.br/novo-antidepressivo-oral-com-mecanismo-glutamatergico-e-aprovado-pelo-fda/
É seguro comprar o Auvelity no site de mercado livre, Amazon, será que são originais? Tem alguma indicação onde comprar seguro?
Oi Fabíola. Exceto no caso de conseguir prescrição e importação, é bastante arriscado comprar em outras fontes. As vendas seriam ilegais, sem garantia da procedência. O produto pode ser falsificado, sem qualquer garantia da composição.