Fármacos com nomes facilmente confundidos e o risco ao paciente
O problema parece pequeno, mas não é.
Dificuldades na compreensão (“decodificação”) do fármaco prescrito podem limitar um plano terapêutico de formas dramáticas. O uso racional de medicamentos implica que pacientes recebam medicamentos para suas condições clínicas em doses adequadas, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade. Ao confundir fármacos em uma prescrição, o paciente:
- Não adere ao tratamento adequado, porque pode receber um outro medicamento sem eficácia para seu caso;
- É mais exposto a riscos de intoxicação, quando há a confusão por outro fármaco da mesma classe e aplicação terapêutica, mas com outra potência (e faixa de dose distinta);
- Aumenta o risco de iatrogenia, por efeitos indesejados e/ou tóxicos inesperados;
- Pode aumentar seu gasto de forma inefetiva, com a aquisição de medicamentos não-indicados.
Embora erros de medicação (situações que levam ao uso inadequado desses agentes) possam acontecer comumente por equívocos do próprio paciente (esquecimentos, confusão entre medicamentos prescritos, falta de adesão intencional, etc.), problemas prescricionais podem responder por parte desses casos. Prescrições ilegíveis aumentam as chances de dispensação ou administração de agentes equivocados por outros profissionais da saúde (principalmente farmacêuticos e enfermeiros).
Veja, por exemplo, o receituário abaixo:
E você pode ter certeza: esse nem é um dos piores casos (sugiro uma busca por “prescrições ilegíveis” no Google Imagens). Como lidar?
Prescrições ilegíveis e estratégias
A principal questão é a escrita semelhante, que pode ser facilmente confundida (especialmente em um “garrancho”). Mesmo que os nomes não tenham semelhança quanto à sonoridade/fonética, semelhanças estruturais em partes do nome podem bastar pra uma interpretação equivocada. Vale ressaltar que a sonoridade semelhante também pode ser foco de problemas, porque dificulta a comunicação eficiente entre membros da equipe de saúde ou entre o paciente e outros profissionais. Mas esse é outro problema.
Na tentativa de minimizar problemas prescricionais, vários conselhos profissionais criaram campanhas para conscientizar prescritores sobre a importância do cuidado com receituários. O Conselho Federal de Farmácia lançou a campanha “Uma letra ilegível pode ser fatal“, com apoio do Conselho Federal de Enfermagem e Instituto para Práticas Seguras no uso de Medicamentos (ISMP).
Algumas medidas simples podem acabar com esses problemas, ao prescrever medicamentos:
- Optar por prescrições digitais para evitar escrita ilegível;
- Se manuscrito, escrever o nome dos fármacos em letra de forma, MAIÚSCULAS (ou ao menos fazer isso em porções críticas do nome, como sugerido por alguns guias. Ex. ALPRAZolam, LORazepam, cloBAZam);
- Se manuscrito, adicionar a indicação terapêutica do fármaco, informação que pode ser usada para desambiguação entre agentes com nomes parecidos;
- Se manuscrito, adicionar números como algarismos arábicos e por extenso, para reduzir a dúvida.
Adicionalmente, farmácias e estoques em estabelecimentos de saúde podem utilizar estratégias para sinalizar adequadamente (“mudar a aparência”) produtos que possam ter nomes parecidos, para reduzir o erro por confundir embalagens.
Lista de fármacos com grafias semelhantes
O número de casos de fármacos com nomes semelhantes (seja na grafia ou sonoridade) só aumenta. Algumas listas são constantemente atualizadas para reduzir esses riscos. A “List of Confused Drug Names” incluiu mais de 80 novos nomes ainda esse ano. No Brasil, a ISMP também disponibiliza um guia de medicamentos com nomes ou grafias semelhantes (desatualizado; versão 2014). Conheça alguns dos exemplos mais clássicos:
Caso 1: Substâncias semelhantes
A confusão pode acontecer entre membros de uma mesma classe de fármacos ou substâncias derivadas que compartilham nomenclatura semelhante. Mesmo fazendo parte de uma mesma “família” de drogas, as aplicações terapêuticas podem ser diversas, além da faixa de doses, aumentando o risco de intoxicações.
Esse é o caso de:
- Alprazolam / Clobazam / Clonazepam / Lorazepam / Diazepam (benzodiazepínicos);
- Bupivacaína / Ropivacaína (anestésico local);
- Captopril / Enalapril / Lisinopril / Ramipril (inibidores da enzima conversora de angiotensina – ECA);
- Carbamazepina / Oxcarbazepina (anticonvulsivantes);
- Cefazolina / Cefotetana / Cefotetano / Cefoxitina / Ceftazidima / Ceftriaxona (antimicrobianos cefalosporinas);
- Citalopram / Escitalopram (inibidores da recaptação de serotonina);
- Duloxetina / Fluoxetina / Paroxetina (inibidores da recaptação de serotonina e/ou noradrenalina);
- Fentanil / Alfentanil / Sufentanil (opioides);
- Fisostigmina / Rivastigmina / Piridostigmina (inibidores da acetilcolinesterase);
- Hidrocodona / Oxicodona (opioides);
- Nifedipino / Nimodipino (bloqueadores de canais de cálcio);
- Olanzapina / Quetiapina / Clozapina (antipsicóticos atípicos);
- Pentobarbital / Fenobarbital (barbitúricos);
- Prednisona / Prednisolona (corticoides);
- Sumatriptana / Zolmitriptana / Naratriptana (antienxaquecoso).
Caso 2: Substâncias sem semelhança estrutural ou funcional
O problema claramente é maior nos casos em que substâncias muito distintas são confundidas, seja por semelhança na sonoridade, escrita ou tamanho da palavra. A troca desses agentes pode acarretar falha terapêutica (na ausência do fármaco indicado) combinada a efeitos indesejados (da droga usada de forma inadequada).
São alguns exemplos, com seus usos principais:
- Amantadina (antiparkinsoniano) ≠ Amiodarona (antiarrítmico);
- Aripiprazol (antipsicótico atípico) ≠ Omeprazol, lansoprazol, pantoprazol (e demais inibidores de bomba de prótons; antiácidos) ≠ Metronidazol (antimicrobiano) ≠ Cetoconazol, Itraconazol (e outros antifúngicos “azólicos”);
- Atomoxetina (psicoestimulante) ≠ Atorvastatina (hipolipemiante);
- Bupivacaína (anestésico local) ≠ Bupropiona (antidepressivo e cessação do tabagismo) ≠ Buspirona (ansiolítico);
- Captopril (antihipertensivo) ≠ Carvedilol (antihipertensivo);
- Cetirizina (antialérgico e antivertiginoso) ≠ Sertralina (antidepressivo) ≠ Estavudina (antiretroviral);
- Clonidina (antihipertensivo) ≠ Clozapina (antipsicótico)
- Clordiazepóxido (sedativo/hipnótico) ≠ Clorpromazina (antipsicótico) ≠ Clomipramina (antidepressivo) ≠ Clorpropamida (hipoglicemiante);
- Dabigatrana (anticoagulante) ≠ Vigabatrina (anticonvulsivante) ≠ Tiagabina (anticonvulsivante);
- Dexmedetomidina (sedativo e adjuvante anestésico) ≠ Dexametasona (anti-inflamatório);
- Diazepam (sedativo/hipnótico) ≠ Diltiazem (antihipertensivo e antiarrítmico);
- Efedrina (broncodilatador e descongestionante) ≠ Epinefrina (uso emergencial em parada cardiorrespiratória e choque anafilático);
- Flavoxato (espasmolítico) ≠ Fluvoxamina (antidepressivo) ≠ Flufenazina (antipsicótico) ≠ Flumazenil (antídoto para intoxicações com benzodiazepínicos);
- Hidralazina (antihipertensivo) ≠ Hidroclorotiazida (diurético) ≠ Hidroxizina (antialérgico) ≠ Hidroxiureia (doenças hematológicas);
- Lamivudina (antirretroviral) ≠ Lamotrigina (anticonvulsivante);
- Levetiracetam (anticonvulsivante) ≠ Levotiroxina (hipotireoidismo) ≠ Levofloxacino (antimicrobiano);
- Medroxiprogesterona (contracepção e endometriose) ≠ Hidroxiprogesterona (amenorreia e sangramentos uterinos) ≠ Metilprednisolona (anti-inflamatório);
- Metformina (hipoglicemiante) ≠ Metronidazol (antimicrobiano);
- Mifepristona (abortivo) ≠ Misoprostol (abortivo e anti-ulceroso);
- Nistatina (antifúngico) ≠ Sinvastatina, Atorvastatina, Rosuvastatina (e demais “estatinas”; hipolipemiantes);
- Piroxicam (anti-inflamatório) ≠ Paroxetina (antidepressivo);
- Pralidoxima (antídoto para intoxicações com agentes colinérgicos) ≠ Piridoxina (vitamina B6; prevenção de neuropatias periféricas);
- Quinidina (antiarrítmico) ≠ Quinina, Cloroquina (antimaláricos);
- Ranitidina (antiácido) ≠ Rimantadina (antiviral);
- Sulfadiazina (antimicrobiano) ≠ Sulfasalazina (anti-inflamatórios) ≠ Sulfisoxazol (antimicrobiano);
- Tiagabina (anticonvulsivante) ≠ Tizanidina (antiespasmódico) ≠ Clonidina (antihipertensivo);
- Trazodona (antidepressivo e hipnótico) ≠ Tramadol (opioide).
Alguns dos agentes mencionados não têm registro no Brasil, mas foram mencionados como exemplos.