Canabinoides podem “melhorar a memória”?

Postado por: Lucas Gazarini
Como 15 de Novembro será comemorado o dia mundial da Cannabis medicinal, próximo do dia Nacional da maconha medicinal (27), as postagens ao longo desse mês serão voltadas a essa temática.

 

É de divulgação ampla popularmente e sustentada por alguns estudos que efeitos indesejados cognitivos – especialmente associados à perda de memória – podem acontecer frente ao uso de Cannabis sativa (maconha). Contudo, esses efeitos parecem se relacionar com o padrão de uso (crônico e frequente, especialmente por jovens) e composição de canabinoides presentes na planta: a incidência de prejuízos cognitivos parece ser associada ao consumo de altas concentrações de THC. Contudo, isso não é um achado constante e necessariamente associado a todos os canabinoides: o canabidiol (CBD), derivado da planta desprovido de ação psicotomimética, parece ter efeito oposto com possibilidade de melhora na memória. Esse foi o resultado encontrado por um estudo clínico publicado neste ano, que avaliou o impacto positivo desse canabinoide em potencializar a memória verbal (lembrar palavras).

 

Canabidiol como agente pró-cognitivo

O CBD atua como agente canabimimético indireto, preferencialmente facilitando a transmissão endocanabinoide ao inibir enzimas de degradação dos canabinoides endógenos (anandamida e 2-araquidonoilglicerol, o 2-AG). Adicional à menor ocorrência de efeitos indesejados, o CBD ganha destaque no cenário das pesquisas básicas e clínicas por apresentar vários efeitos potencialmente explorados na clínica, como ação ansiolítica, anticonvulsivante, anti-inflamatória e, inclusive, efeito antipsicótico e redução de sintomas paranoides induzidos pelo THC.Ainda, alguns estudos não demonstraram déficits cognitivos frente ao uso crônico de CBD, por até 1 ano, sugerindo um perfil de segurança quanto ao impacto nas memórias. Por ter ações muitas vezes contrárias às observadas com o THC, a avaliação do possível impacto positivo do CBD sobre as memórias se tornou um ponto de interesse.

 

Como avaliar o efeito do CBD nas memórias?

O estudo foi realizado com 34 participantes saudáveis, submetidos à avaliação de memória verbal e outros parâmetros após consumir CBD vaporizado (12,5 mg de CBD, em 0,25 ml de solução a 5%), que apresenta padrão de absorção mais rápido que com o uso oral. O estudo foi duplo-cego, randomizado, controlado por placebo e com desenho cruzado (crossover). A memória avaliada consistiu no aprendizado de 15 palavras não relacionadas, apresentadas aos participantes com 2s de intervalo entre elas. Depois de 20 min, os participantes tinham que listar as palavras aprendidas: quanto maior o número de palavras lembradas, mais efetivo foi o aprendizado.

Os resultados observados incluíram:

  • Melhora no aprendizado, com maior número de acertos em lembrar as palavras apresentadas. Esse efeito aconteceu independente do sexo ou idade dos participantes;
  • Efeito positivo na memória em pacientes com IMC (índice de massa corporal) maior, o que sugere que a dose utilizada pode ter sido maior que a necessária para participantes com IMC menor (já que os canabinoides frequentemente tem curvas dose-resposta em “U invertido“, com efeitos máximos associados às doses intermediárias);
  • Nenhum prejuízo em processos de atenção, alterações no humor, motivação, estado de relaxamento, fadiga ou dores de cabeça, quando comparado ao placebo.

 

Limitações e perspectivas

Obviamente, os resultados são interessantes, mas precisam ser avaliados dentro do contexto do estudo. É importante pontuar que:

  • O efeito do CBD foi avaliado de forma aguda, após uma única administração. Portanto, não podemos extrapolar que o resultado observado seja mantido frente ao uso continuado;
  • A memória avaliada foi de curto prazo (20 min após o aprendizado), que depende muito de aspectos atencionais. O efeito obserbado não será necessariamente o mesmo em memórias de longo prazo, avaliada dias depois;
  • Aproximadamente 50% dos participantes relataram uso anterior de Cannabis, o que pode ser considerado um viés, já que o efeito de canabinoides pode ser diferente em pacientes com experiência prévia ou “virgens” a essas substâncias.

Por fim, vale ressaltar que o estudo foi realizado em participantes saudáveis, sem qualquer problema anterior de memória. Contudo, resultados que indicam efeitos pró-cognitivos de fármacos sobre memórias episódicas (relacionadas a eventos autobiográficos, conhecimentos, lugares, pessoas, etc.), como as verbais, são sempre instigantes quando se leva em conta que esse tipo de memória é prejudicada em algumas doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. Nesse sentido, estudos que avaliam o potencial terapêutico de canabinoides no Alzheimer devem se tornar mais frequentes, já que o arsenal terapêutico para manejo dessa doença é pequeno, atualmente.

 

O estudo completo pode ser analisado na íntegra neste link.

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