Anticorpo contra proteína amiloide reduz progressão do Alzheimer
Com o envelhecimento da população, o fardo das doenças neurodegenerativas tende a ser crescente. Doenças como o Alzheimer passaram a ser um foco das pesquisas básicas e clínicas. O avanço desses estudos levou ao entendimento atual de possíveis mecanismos que levam à morte neuronal e atrofia cerebral nesses casos.
No cerne da doença, o acúmulo de proteínas produzidas de forma anormal ou descontrolada parece ser protagonista. As proteínas β-amiloides são as principais substâncias envolvidas nesse processo. Essas proteínas se agregam e formam “placas insolúveis” (placas amiloides ou senis) que impedem o funcionamento nervoso adequado. Além disso, esses agregados causam morte neuronal e ativam respostas neuroinflamatórias que agravam a neurodegeneração.
Manejo do Alzheimer: hoje e amanhã
Mesmo com o destaque da doença nas pesquisas atuais, poucas são as estratégias terapêuticas inovadoras para o manejo adequado dos pacientes e, principalmente, redução no ritmo da neurodeneração.
Atualmente, o tratamento do Alzheimer foca em remediar – de forma sintomática – os prejuízos cognitivos e emocionais associados ao quadro. Em quadros iniciais da doença, é possível atenuar o impacto da perda de memória e manter certo grau de autonomia. Com o passar do tempo, esses sintomas se tornam mais severos e dificilmente controlados, mesmo com a adoção de uma polifarmácia extensa.
Como o quadro clínico pode se arrastar por vários anos, a progressão da morte de neurônios agrava os sintomas e piora o prognóstico. Estratégias precoces, para evitar a progressão do Alzheimer e perda das funções cognitivas, ainda são escassas, para não dizer inexistentes.
A promessa dos anticorpos contra proteínas amiloides
A possibilidade de tratamentos que “depurem” os agregados proteicos associados ao Alzheimer sempre foi atraente. Anticorpos anti-amiloide teriam um papel interessante, sinalizando placas amiloide cerebrais em formação para uma resposta fisiológica de remoção mais eficiente. Em resumo, esses anticorpos poderiam reduzir o acúmulo desses agregados, especialmente em casos mais precoces da doença.
O aducanumab (Aduhelm) foi aprovado para uso em humanos em 2021, pelo FDA (EUA). Embora os estudos clínicos com esse anticorpo tenham demonstrado redução no acúmulo de proteínas amiloides no cérebro, a melhora clínica não foi avaliada. Ou seja, a aprovação do anticorpo foi feita sob a premissa de que uma redução no acúmulo de placas amiloides implicaria em melhora clínica, mesmo que esse desfecho não tenha sido avaliado.
Obviamente, esse cenário de aprovação controversa – rápido e com resultados pouco conclusivos – foi alvo de críticas (aqui, aqui e aqui, para exemplificar). Até o próprio FDA fez uma ressalva em seu anúncio de aprovação. Não a toa, a venda do medicamento foi bastante baixa, seja considerando seu alto custo ou eficácia questionável. Independente de controvérsias, essa aprovação marcou o tratamento do Alzheimer por inaugurar uma nova categoria terapêutica, direcionada à neuroproteção.
O revés do aducanumab (financeiramente falando) serviu como lição para direcionar novos estudos que superassem as limitações anteriores. Embora a redução de placas amiloides seja um marco importante, é imprescindível que ela acompanhe melhoras clínicas para se justificar como estratégia terapêutica no Alzheimer. Há menos de um mês e mais de um ano após a aprovação do aducanumab, a Esai e Biogen anunciaram um tratamento com anticorpos capaz de reduzir o declínio cognitivo no Alzheimer.
Entenda o estudo clínico mais recente com Lecanemab
O novo estudo foi publicado em novembro, na revista The New England Journal of Medicine, de bastante renome na área. O lecanemab, um novo anticorpo monoclonal anti-amiloide de alta afinidade, foi utilizado no protocolo clínico. Trata-se de um estudo clínico de fase 3, multicêntrico, randomizado e controlado, batizado de CLARITY-AD.
Foram recrutados 1795 pacientes de 50 a 90 anos com estágios precoces de Alzheimer (com quadros leves de prejuízo cognitivo e demência). Eles foram acompanhados por 18 meses, recebendo lecanemab ou placebo, a cada duas semanas. Os pacientes foram avaliados quanto ao desempenho cognitivo (com várias escalas para prejuízos demenciais associados ao Alzheimer) e acúmulo de proteínas amiloides.
Ao final dos 18 meses, a progressão do quadro demencial foi 27% menor em participantes que receberam o anticorpo. Com 6 meses de tratamento, já havia diferenças no declínio cognitivo comparando os dois grupos avaliados. Os pacientes tratados também apresentaram redução no acúmulo de placas amiloides cerebrais. Essa foi a primeira vez em que a melhora clínica em humanos foi associada com a depuração de proteínas amiloides.
Embora os resultados sejam encorajadores, uma bandeira amarela foi levantada: aproximadamente 1 a cada 4 participantes que receberam o anticorpo apresentaram reações adversas frente à injeção endovenosa. Anormalidades de imagem associadas à amiloide, desfechos preocupantes que incluem casos de edema e microhemorragias cerebrais, foram observados em 12,6% das pessoas que receberam o tratamento.
O início de uma nova história
Os resultados já haviam sido divulgados, preliminarmente, em meados de setembro. A Alzheimer’s Association publicou uma nota sobre o perfil encorajador do estudo, embora tenha ressaltado a necessidade constante por novas estratégias mais eficientes e seguras.
Em julho, o FDA iniciou o processo de avaliação para a aprovação do medicamento. Independe da aprovação, do perfil de segurança ou do desempenho em vendas, o lecanumab deve fazer história como um protótipo de anticorpo anti-amiloide para a doença de Alzheimer.