Anti-inflamatório com ação em macrófagos reduz a progressão de Esclerose Lateral Amiotrófica
Um teste clínico realizado pela Universidade da Califórnia (São Francisco, EUA) demonstrou a possibilidade de uso de um novo agente terapêutico no controle da progressão da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). O estudo foi publicado no começo desse mês, na revista Muscle & Nerve, especializada em doenças que afetam o sistema motor.
Sobre a Esclerose Lateral Amiotrófica
A ELA é uma doença neurodegenerativa que afeta os neurônios motores. Os sintomas incluem fraqueza e perda do controle muscular (esclerose), que inicialmente acometem apenas um hemisfério do corpo (lateral) e tendem a levar à atrofia muscular (amiotrófica). A paralisia muscular é limitante, progressiva e irreversível.
A evolução da doença ao longo do tempo parece se relacionar com o processo inflamatório: muitos estudos sugerem o aumento na produção de fatores pró-inflamatórios e exacerbação da resposta imune, em especial células com capacidade fagocítica, como os macrófagos. Como consequência, o dano em neurônios motores aumenta e o processo de reparo é inibido, levando ao agravamento de sintomas, que podem passar a incluir a redução do vigor muscular de controle involuntário, como os necessários para a respiração.
O componente inflamatório da doença e novas perspectivas
Como o aumento em diversos marcadores inflamatórios é observado ao longo da progressão da ELA, novas drogas com ação anti-inflamatória são alvo de pesquisas atuais com foco nessa doença. O NP001, composto patenteado pela Neuvivo Inc., é um preparado purificado e inerte de cloreto, ativado somente após entrar em contato com componentes oxidantes presentes na superfície de fagócitos. Ou seja, a substância é um pró-fármaco que requer contato com células-alvo do sistema imune para se tornar ativo e, por isso, é denominado um agente regulador do sistema imune.
A droga é ativada em agentes efetores intracelulares capazes de inibir a produção de citocinas pró-inflamatórias de forma duradoura e impedir a ativação de monócitos de forma dose-dependente. Com base em estudos preliminares, a droga pareceu um agente promissor no tratamento da ELA, inclusive em testes clínicos de fase 1.
Efeito do NP001 na progressão da ELA
O estudo clínico de fase 2 foi realizadocom desenho randomizado, duplo-cego e controlado por placebo. Foram agrupados participantes de duas etapas isoladas de fase 2A e 2B, realizados em momentos distintos. O estudo incluiu 117 participantes de ambos os sexos, com diagnóstico de ELA dentro dos últimos 3 anos, idades entre 40 e 65 anos. Os níveis de proteína C-reativa – um marcador inflamatório sistêmico – maiores que 1,13 mg/L foram adotados como critério de inclusão, para avaliar o efeito da droga em pacientes com envolvimento inflamatório claro.
O tratamento foi feito por 6 meses com NP001 (2 mg/kg/dia de tratamento; n = 56) ou placebo (n = 61). A administração foi intravenosa, uma vez ao dia, feita em 20 baterias (ou ciclos) ao longo de 6 meses (5 administrações consecutivas no primeiro mês e 3 administrações consecutivas em cada um dos outros meses). A avaliação foi feita por uma escala de severidade sintomas associados à ELA (Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional Rating Scale-Revised; ALSFRS-R) durante o acompanhamento dos participantes.
Ao final dos 6 meses, o grupo tratado com NP001 apresentou perda 51% menor na capacidade respiratória que o grupo controle. Ainda, o tratamento reduziu a progressão da doença em 36% comparado ao placebo, com 33,9% dos participantes que receberam a droga não apresentando qualquer progressão significativa ao longo dos 6 meses (vs. 11,5% no grupo controle). Em participantes com níveis de proteína C-reativa superiores a 3 mg/L – ou seja, com maiores indicadores de resposta inflamatória – a droga preveniu a progressão da ELA em 46% do grupo tratado (vs. 4,5% do grupo controle).
Limitações do estudo
Embora os resultados apresentados sejam interessantes e reacendam a perspectiva de manejo farmacológico da ELA, o estudo apresenta vários pontos fracos que devem ser considerados criticamente:
- O grupo placebo apresentou mais participantes com ELA de origem familiar (genética), que pode apresentar particularidades fisiopatológicas que tornam o tratamento mais complexo e/ou progressão da doença mais acentuados, enviesando a amostra avaliada;
- O estudo “pinçou” participantes com idades entre 40 e 65 anos com base em análises de estudos preliminares e resultados que sugerem uma progressão diferente da doença nessa faixa etária (fisiopatologia diferente ao longo do tempo?). Por isso, os resultados do estudo são aplicáveis a uma faixa estreita de idade e não podem ser extrapolados para pacientes mais novos ou mais velhos;
- Diversos “malabarismos” metodológicos foram utilizados para forçar um resultado interessante, incluindo: agrupamento de estudos clínicos (2A+2B), seleção de subgrupos amostrais não programados inicialmente, delimitação de grupo etário de acordo com avaliação preliminar e resultados significativos apenas em desfechos secundários, que não compõe o foco inicial (primário) do estudo;
- Resultados que sugerem diferentes respostas frente a perfis diferentes de recrutamento inflamatório, exigindo uma melhor compreensão de parâmetros inflamatórios que podem predizer melhor resposta ao tratamento.
Obviamente, embora essas limitações não invalidem os resultados encontrados, elas reforçam a necessidade de avaliação crítica de estudos clínico e realização de estudos adicionais maiores e mais criteriosos.
Atualmente não existem tratamentos medicamentosos específicos para ELA, sendo recomendado acompanhamento multiprofissional, especialmente pautado em fisioterapia e controle nutricional. Por isso, resultados como os do NP001 – mesmo que sutis – geram esperanças, não só para ELA, mas também para o manejo de outras doenças neurodegenerativas com componente inflamatório claro, como o Alzheimer, ou condições que acompanham dores neuropáticas.
O estudo completo pode ser acessado nesse link, jutamente com o anúncio da farmacêutica.
Mais informações sobre a doença, tratamentos e grupos de apoio podem ser obtidas junto à página da Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA).
Seria maravilhoso se esse medicamento fosse liberado para todos os portadores de ELA, infelizmente quando vemos uma notícia dessa ficamos esperançosos e acabamos sem ter acesso. Espero que um dia consigam um remédio que realmente dê resultado e seja liberado para todos.