Inibidores SGLT2: novos aliados no tratamento da insuficiência cardíaca em pessoas com ou sem diabetes
Texto escrito por Bruno Rodrigo Minozzo.
Atualmente, existem diversas opções de medicamentos seguros, de uso via oral, para o tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). A metformina continua em destaque por ser considerada a primeira escolha de tratamento, em monoterapia ou associada a outros fármacos, devido à sua efetividade no alcance das metas glicêmicas de glicemia de jejum e hemoglobina glicada, com impacto sobre a redução de desfechos negativos relacionados ao DM. Ainda, tem potencial em reduzir lipídeos séricos e o peso corporal, o que se traduz em diminuição de eventos cardiovasculares (ECV) e mortalidade.
Além da metformina, dentre os fármacos usados no tratamento do DM2, destacam-se os inibidores SGLT2, ou iSGLT2 (dapagliflozina, empagliflozina e canagliflozina). Estes medicamentos impedem a reabsorção de glicose (glicosúria) e sódio (natriurese) pela inibição das proteínas transportadoras SGLT2 presentes nos túbulos contorcidos proximais dos néfrons. Como resultado, há redução de glicemia de jejum estimada em 30 mg/dL e hemoglobina glicada em 0,5%-1,0%. Dados mostram que, para cada 1% de redução da hemoglobina glicada, há diminuição de 14% em desfechos como infarto agudo do miocárdio e de 12% dos acidentes vasculares cerebrais fatais ou não.
Efeitos cardiovasculares dos inibidores da SGLT2
Em meados de 2013, estudos clínicos foram conduzidos para avaliar a segurança cardiovascular dos iSGLT2. Eles demonstraram não apenas o que se pretendia, mas, também, que estes fármacos eram associados a um risco menor de morte por ECV, sobretudo, a desfechos associados à insuficiência cardíaca (IC).
Esses achados motivaram novas investigações. Em um estudo multicêntrico, randomizado e controlado por placebo feito com 324 pacientes, o uso de dapagliflozina por 12 semanas melhorou significativamente os sintomas e limitações físicas da IC e mostrou boa tolerabilidade. Dentre os possíveis mecanismos dos iSGLT2 que contribuem para a melhora da IC, encontram-se:
- Redução da pressão arterial e sobrecarga ventricular (redução da pré- e pós-carga cardíacas pelos efeitos natriurético e glicosúrico);
- Melhora do metabolismo e da bioenergética cardíaca (aumento da oferta de corpos cetônicos – fonte alternativa de energia celular em vigência de IC – ao miocárdio);
- Prevenção da inflamação (inibição do inflamassoma NRLP3 no coração);
- Perda de peso (balanço calórico negativo e mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo);
- Redução do tônus simpático (inibição de SGLT2 também inibe a ativação autonômica de fibras simpáticas);
- Prevenção do remodelamento cardíaco (ação anti-inflamatória e redução da fibrose cardíaca);
- Prevenção da lesão de isquemia/reperfusão (apoptose, necroptose e autofagia);
- Inibição de canais trocadores de Na+/H+ tipo 1 (miocárdico e vascular) e 3 (renal), com melhora do desempenho do coração e dos rins;
- Redução da hiperuricemia (intimamente ligada à resistência à insulina e pior prognóstico da IC);
- Redução da gordura epicárdica (menor inflamação pericárdica);
- Aumento dos níveis de eritropoietina (melhora da função mitocondrial do miócito, oferta de oxigênio ao miocárdio e angiogênese);
- Aumento de células progenitoras pró-vasculares e restauração do reparo vascular, com melhora da função vascular (vasodilatação por ativação de proteína quinase G e dos canais de potássio dependentes de voltagem);
- Redução da disfunção endotelial;
- Diminuição do estresse oxidativo (redução dos efeitos de NOX1 no tecido vascular).
Sob a ótica complexa do funcionamento corporal, todos os mecanismos explorados atuam de maneira interdependente e sinérgica, potencializando uns aos outros. Nesse contexto, os iSGLT2 distinguem-se como fármacos com potencial em reduzir ou controlar um ou mais fatores de risco relacionados a ECV. Diversos estudos clínicos sobre a interação entre iSGLT2 e IC, seja aguda ou crônica, com ou sem DM e doença renal, têm mostrado consistentemente reduções significativas de desfechos primários e secundários, levando em conta sua segurança, efetividade e tolerabilidade.
Para além da DM: o uso de iSGLT2 na insuficiência cardíaca (IC)
Os iSGLT2 reduzem o risco de mortalidade cardiovascular e hospitalizações por complicações da IC independentemente da presença de DM. Ensaios clínicos de grande porte (DAPA-HF e EMPEROR-reduced) confirmaram os benefícios aos pacientes e deram suporte ao uso de iSGLT2 em protocolos de tratamento de IC, especialmente naqueles com fração de ejeção reduzida (ICFER), contribuindo para a expansão da indicação de uso desses medicamentos.
De acordo com a Atualização de Tópicos Emergentes da Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca de 2021, é recomendado o uso de dapagliflozina e empagliflozina em pacientes com ICFER sintomáticos, diabéticos ou não, já com dose máxima otimizada tolerada de betabloqueadores (carvedilol, metoprolol e bisoprolol), antagonista da aldosterona (espironolactona), inibidores da ECA (enalapril)/bloqueadores de receptores de angiotensina (losartana) ou inibidores da neprilisina e antagonistas dos receptores de angiotensina II (sacubitiril, valsartana).
O propósito é reduzir desfechos cardiovasculares e progressão da disfunção renal (em pacientes com taxa de filtração glomerular ≥ 20 mL/min/1,73 m2), bem como para prevenir hospitalização por IC naqueles com DM2 e nos que apresentam fatores de risco cardiovasculares para aterosclerose ou doença cardiovascular (DCV) aterosclerótica estabelecida (classe I [evidência conclusiva], nível de evidência A [múltiplos estudos randomizados de bom porte, concordantes e/ou de meta-análise robusta de estudos clínicos randomizados]).
Ainda em benefício dos pacientes, os iSGLTS2 apresentam risco baixo de hipoglicemias, com provável impacto positivo na redução de desfechos renais como redução do risco de diálise, transplante e morte por nefropatia. Diante do exposto, fica claro que os iSGLT2 se mostram como ferramentas pluripotentes no manejo de síndromes cardiometabólicas, com impactos positivos sobre a terapêutica de controle e estabilização das doenças de base e quadros associados, com desfechos favoráveis sobre a saúde e qualidade de vida dos seus usuários.
Dapagliflozina no SUS e a atualização do protocolo de manejo do Diabetes Mellitus tipo 2
Por todos esses motivos, as evidências emergentes resultaram na incorporação da dapagliflozina dentro da Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 11 de novembro de 2020, foi publicada a Portaria SCTIE/MS nº 54, que aprovou o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Diabete Melito Tipo 2 no âmbito do SUS. O documento ampliou o acesso à dapagliflozina para pacientes com DCV estabelecida (infarto agudo do miocárdio, cirurgia de revascularização do miocárdio, angioplastia das coronárias, angina estável ou instável, acidente vascular cerebral isquêmico, ataque isquêmico transitório e insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida abaixo de 40%) que não conseguiram controle adequado (hemoglobina glicada maior que 7,5%) em tratamento otimizado com metformina e sulfonilureias (glibenclamida, gliclazida, glimepirida) e com taxa de filtração glomerular maior que 45 mL/min/1,73 m2 (para fluxo de tratamento reduzido baseada no PCDT, clique aqui).
E ainda, recentemente, a dapagliflozina foi incorporada ao programa Farmácia Popular a partir de anúncio feito em 29/09/2,2 durante simpósio sobre o Dia Mundial do Coração e doenças cardiovasculares (Portaria GM/MS nº 3.677/2022). Isso reforça a importância do programa na Assistência Farmacêutica, por meio da atualização e incorporação de novas tecnologias.