Anti-inflamatórios reduzem a hipertrofia muscular?

Postado por: Lucas Gazarini

Em teoria, sim. Na prática, o efeito parece ser claro em poucas situações.

 

Por que anti-inflamatórios poderiam prejudicar o ganho muscular?

Essa dúvida não é por acaso. O processo de ganho de massa muscular (hipertrofia) induzido pelo exercício depende, ao menos em parte, de mecanismos inflamatórios. “As ‘microlesões’ musculares e o estresse aplicado ao tecido desencadeiam uma resposta inflamatória basal, essencial para a proliferação celular, a síntese proteica e as adaptações ao treinamento. Isso é especialmente evidente em exercícios de sobrecarga, como a musculação voltada à hipertrofia.

Por esse motivo, os anti-inflamatórios — que inibem a produção de mediadores inflamatórios — costumam ser vistos como ‘vilões’ do ganho muscular. A questão é que esses fármacos são amplamente utilizados no alívio da dor pós-treino (a chamada dor muscular de início tardio), que atinge seu pico entre 24 e 48 horas após o esforço. Essa dor decorre, justamente, do escalonamento lento da resposta inflamatória e da sensibilização nervosa. Surge então o dilema: usar ou não usar anti-inflamatórios para controlar a dor após o treino?

 

O que dizem os estudos?

Existem poucos estudos controlados e confiáveis sobre o tema, o que gera uma certa controvérsia entre o risco ‘teórico’ e o risco ‘real’.

Em um estudo com idosos com osteoartrite, o uso de anti-inflamatórios por três dias antes de exercícios controlados não alterou os parâmetros de adaptação muscular, embora tenha reduzido a produção de mediadores inflamatórios. No entanto, esse estudo envolveu um público muito específico — idosos com uma condição clínica relevante —, o que limita sua generalização para a população em geral. Além disso, os anti-inflamatórios foram administrados antes do exercício, algo pouco comum na prática cotidiana, em que o uso costuma ser voltado ao alívio das dores após o treino.

Outra pesquisa avaliou o uso de doses máximas de anti-inflamatórios por 8 semanas. Nesse cenário, houve redução no ganho de força muscular e na adaptação hipertrófica, sugerindo piora da performance em treinos de resistência. O estudo focou adultos de 18 a 35 anos — um perfil mais próximo do uso real, voltado ao alívio de dores pós-treino —, mas tratou de um caso muito específico: uso crônico e em doses elevadas. Curiosamente, um estudo posterior mostrou que, mesmo com prejuízo funcional, os anti-inflamatórios não provocaram alterações importantes em diversas vias moleculares ligadas à hipertrofia. Em outras palavras, embora o uso crônico e em altas doses possa prejudicar o ganho muscular, os mecanismos metabólicos responsáveis por esse efeito ainda não estão plenamente esclarecidos.

 

E qual é o veredito?

Portanto, há poucas evidências que sustentem que o uso pontual de anti-inflamatórios, em doses usuais, traz prejuízos relevantes em pessoas que não sejam atletas de alta performance. O ponto crítico é evitar o uso crônico: nesse contexto, há risco real de interferência no processo de hipertrofia.

Se o uso contínuo se torna necessário, é fundamental repensar a rotina de treinos: a sobrecarga está excessiva? A execução dos movimentos está adequada? Essas questões podem sinalizar problemas que merecem atenção profissional.

A automedicação pode mascarar sintomas importantes, dificultando o diagnóstico e o manejo corretos de lesões significativas que exigiriam cuidado especial. Por isso, é essencial contar com acompanhamento de profissionais — como educadores físicos, fisioterapeutas e médicos — para prevenir o surgimento e a cronificação de problemas mais graves.

Além disso, os anti-inflamatórios estão associados a efeitos colaterais relevantes, como irritação gástrica, alterações na coagulação sanguínea e aumento do risco cardiovascular. Tudo isso reforça que, mesmo na automedicação racional, esses medicamentos devem ser usados em doses recomendadas e pelo menor tempo possível. O uso tópico, em cremes ou pomadas, tende a apresentar menos consequências, já que a absorção sistêmica é muito menor.

 

Quais são os fármacos anti-inflamatórios?

Os anti-inflamatórios são popularmente conhecidos como “analgésicos”, justamente por reduzirem a sensação de dor. Entre os anti-inflamatórios não-estereoidais mais populares:

  • Ácido acetilsalicílico (AAS ou Aspirina®);
  • Ácido mefenâmico (Ponstan®);
  • Cetoprofeno (Profenid®);
  • Diclofenaco (Cataflam®, Voltarem®);
  • Ibuprofeno (Advil®);
  • Indometacina (Indocid®);
  • Meloxicam (Alkeran®, Bioflac®);
  • Naproxeno (Flanax®);
  • Nimesulida (Arflex®, Nisulid®);
  • Piroxicam (Feldene®).

Algumas ressalvas importantes

Paracetamol (Tylenol®) e dipirona (Novalgina®) são considerados anti-inflamatórios “atípicos”, pois apresentam um perfil bastante diferente dos demais. Por isso, muitas vezes nem sequer são classificados como anti-inflamatórios convencionais e poderiam exercer efeitos distintos sobre a hipertrofia muscular.

Já os corticoides — como dexametasona e prednisolona —, que pertencem ao grupo dos anti-inflamatórios esteroides, não foram avaliados nos estudos mencionados. No entanto, como compartilham a lógica de ação dos não esteroides e são muito mais potentes, é plausível supor que os efeitos observados também se estendam a eles.

 


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