Nova opção contra o AVE isquêmico
O acidente vascular encefálico (AVE; ou cerebral, AVC) – o “derrame” – é uma das maiores causas de morte no país. No mundo, acontecem cerca de 15 milhões de casos de AVE por ano, com a morte de até 5 milhões de pessoas. Uma parcela dos sobreviventes convive com sequelas (como paralisias), muitas vezes incapacitantes.
O tipo isquêmico é a forma mais comum de AVE, representando até 85% de todos os casos. A causa mais comum é a obstrução de vasos cerebrais, que interrompe o fluxo de sangue (processo conhecido como isquemia). Na maioria das vezes, coágulos causam esses bloqueios em vasos cerebrais. Esses coágulos são também chamados de “trombos“, por isso resultando em “trombose” vascular.
A isquemia causa incapacidade do funcionamento adequado das regiões afetadas, podendo até acontecer morte do tecido cerebral. Por esse motivo, o diagnóstico rápido e tratamento adequados são essenciais para melhores prognósticos, incluindo a redução no risco de sequelas. O manejo do AVE isquêmico contava com uma única opção terapêutica disponível, há mais de 30 anos. Mas esse cenário deve mudar a partir de 2025.
Agentes trombolíticos no manejo do AVE isquêmico

Apresentação do alteplase (Actilyse®). Fonte: Boehringer Ingelheim
Desde os anos 90, apenas um fármaco é aprovado para o controle desses casos. O alteplase (Actilyse®) é um agente fibrinolítico, que degrada a rede de fibrina forma os coágulos. Com isso, é possível restabelecer o fluxo sanguíneo ao desobstruir os vasos. Obviamente, a intervenção deve acontecer o mais rápido possível para garantir os melhores desfechos. Idealmente, a administração deve acontecer até 4,5h após o início do AVE. O uso tardio pode não trazer benefícios claros, além de aumentar o risco por hemorragias.
A ação do alteplase em reverter coágulos justifica o seu perfil “trombolítico”, que também é explorado em embolia pulmonar e infarto do miocárdio. O uso em casos emergenciais fez com que ele ganhasse espaço rapidamente. Atualmente, ele faz parte da lista de medicamentos essenciais da Organização mundial da Saúde. No Brasil, ele também consta na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME), com acesso gratuito. No país, diretrizes clínicas estabelecem o uso do alteplase como única escolha medicamentosa em AVE isquêmico.
Uma grande limitação do alteplase diz respeito ao seu perfil farmacocinético. Com o uso intravenoso, o tempo de meia-vida é de poucos minutos, com efeitos que passam muito rápido. Isso gera uma complicação prática: seu uso injetável exige um protocolo especial. Uma parte da dose é injetada de uma vez só (“em bolus“), com o restante em infusão contínua, ao longo de 1h. Isso acaba gerando inconvenientes e maior demanda por profissionais acompanhando o processo. Isso deve mudar com o uso de outro agente fibrinolítico.
O tenecteplase pode simplicar a conduta

Apresentação do tenecteplase (Metalyse®). Fonte: Boehringer Ingelheim
O tenecteplase (Metalyse®) é um fibrinolítico análogo ao alteplase, da mesma família. O seu mecanismo de ação também é o mesmo, destruindo coágulos. As suas principais diferenças, no entanto, trazem vantagens claras. Ele tem uma afinidade maior pela fibrina e menor ação de inibidores, com maior eficácia trombolítica. Além disso, seu tempo de meia-vida é mais longo, permitindo uso em dose única em injeção simples, ao contrário da infusão contínua no caso do alteplase. Pode parecer pouco, mas isso facilita a logística no atendimento a pacientes com AVE isquêmico.
Ele não é um fármaco novo, com uso a partir do ano 2000. No Brasil, ele já é usado em casos de infarto do miocárdio, que também tem caráter isquêmico. Até pouco tempo, poucos estudos avaliavam a segurança e eficácia do uso desse agente no AVE isquêmico, embora as vantagens possíveis fossem claras. Nos últimos anos, vários estudos focaram nesse ponto, com acúmulo de evidências a favor do seu uso. Um estudo, em especial, foi decisivo para mudar esse cenário.
O estudo AcT
‘Alteplase comparado ao Tenecteplase’ (AcT): o nome do estudo já diz tudo. Ele terminou há poucos anos, com resultados publicados na revista The Lancet. O teste clínico foi aberto, randomizado e multicêntrico, realizado no Canadá. O teste foi controlado, mas nesse caso, com o uso do alteplase ao invés de placebo (o que seria antiético, levando em conta a gravidade da condição avaliada). O propósito é comparar a eficácia e segurança de um fármaco em teste – o tenecteplase – com outro que já tem uso padronizado – o alteplase. Por isso, ele pode ser considerado um teste de “não-inferioridade”.
O estudo contou com 1577 participantes que receberam tenecteplase (n=806) ou alteplase (n=771) até 4,5h depois do início dos sintomas de AVE isquêmico. Uma proporção similar de participantes (36,9% vs. 34,8%) apresentou melhora neurológica funcional significativa entre 90 a 120 dias após o AVE, independente do fármaco usado. O número de hemorragias intracranianas dentro de 24h ou mortes até 90 dias depois foi similar nos dois grupos. Em conjunto, os dados reforçam que o perfil de segurança e eficácia foi comparável, ou seja, o tenecteplase não é inferior ao alteplase.
Testes posteriores confirmaram esses achados, como o TRACE-2 (2023). O estudo ATTEST-2 (2024) também teve o mesmo desfecho, mas conseguiu mostrar que o tenecteplase não é superior ao alteplase. Nesse caso, os fármacos podem ser intercambiados sem prejuízo ao paciente. Outro estudo de 2024 avaliou a janela temporal de administração do tenecteplase, e confirmou que ele não é eficaz se administrado após 4,5h do início dos sintomas de AVE. Por isso, é importante ter em mente que ele tem perfil melhor, mas ainda mantém algumas limitações do alteplase.
Aprovação da nova indicação terapêutica
Após a avaliação dos resultados disponíveis, a FDA aprovou o uso do tenecteplase em casos de AVE isquêmico. Como a FDA é um órgão norte-americano, a aprovação não traz impactos diretos no Brasil. A ANVISA precisa aprovar o uso para que a bula do medicamento possa ser alterada, incluindo a indicação no AVE isquêmico.
É provável que a ANVISA siga a recomendação da FDA e também aprove o uso do medicamento. Após isso, a avaliação da CONITEC deve ser feita para pesar custo/benefício e considerar a incorporação no SUS. Enquanto isso, é possível que algumas instituições façam o uso “off-label“ do tenecteplase nesses casos, com base na decisão da FDA.