Vacina 100% nacional contra dengue
A Dengue tem caráter endêmico no Brasil e, dependendo das particularidades geográficas e climáticas, pode atingir níveis epidêmicos. Estima-se um fardo de até R$ 2,3 bilhões/ano para o país, incluindo gastos com estratégias de prevenção, tratamento e imunização. Obviamente, isso tudo além do custo em vidas perdidas para a doença.
Agora, 2025 começou com uma notícia que pode mudar o rumo da saúde pública nacional. Uma vacina contra a dengue – 100% nacional – está em fases finais de avaliação. O Instituto Butantan, que desenvolveu e testou a vacina, solicitou o registro na ANVISA em dezembro de 2024.
Sobre a nova vacina
A vacina foi batizada de Butantan-DV (Dengue Vaccine), com desenvolvimento por meio de parcerias. O projeto contou com o apoio do National Institutes of Health (NIH) e a American Type Culture Collection (ATCC). Em 2009, o Instituto Butantan iniciou a criação do imunobiológico tetravalente. A vacina oferece proteção contra as quatro cepas do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4).
Trata-se de uma vacina com vírus atenuados, que são incapazes de induzir o desenvolvimento da dengue por si só. Em dose única, a vacina foi desenvolvida para induzir resistência à dengue causada por todos os vírus conhecidos da doença. Como o trânsito desses vírus pode variar no mundo, o imunizante tetravalente teria a vantagem de ser eficiente na maioria desses cenários. Com isso, a Butantan-DV foi a primeira vacina nacional licenciada para uma farmacêutica multinacional, a MSD.

Frascos do imunizante (Créditos: Instituto Butantan)
Dois estudos clínicos de fase 3, publicados em 2024, trazem os resultados mais recentes da Butantan-DV. Ambos contaram com mais de 16 mil participantes de 2 a 59 anos. Os testes aconteceram em vários centros de pesquisa, com desenho duplo-cego, randomizado e controlado. Os voluntários receberam dose única da vacina ou placebo, durante 2016 a 2019.
Entenda os ensaios clínicos
O primeiro estudo foi publicado na The New England Journal of Medicine no começo de 2024. O objetivo do estudo foi avaliar eficácia da imunização a partir de 28 dias e 2 anos após a vacinação. Os resultados indicaram a eficácia e segurança da vacina no período avaliado:
- A eficácia foi de 73,6% entre pessoas que nunca tiveram dengue e 89,2% entre aqueles que já tiveram a doença antes do teste clínico;
- A eficácia variou com a idade: 80,1% nos participantes de 2-6 anos; 77,8% entre os de 7-17 anos, e; 90% entre os de 18-59 anos;
- A eficácia geral – independente do histórico de doença ou idade – foi de 79,6%;
- Efeitos indesejados sistêmicos – principalmente dor de cabeça, dor no local da aplicação e coceira – foram mais comuns entre os que receberam a vacina (58,3% vs. 45,6% no placebo).
O segundo estudo foi publicado na The Lancet Infectious Diseases em novembro de 2024, quando iniciaram os trâmites para registro na ANVISA. Esse estudo foi uma continuação (follow-up) do anterior, avaliando a eficácia da vacina por entre 2 e 5 anos após a dose única. Os resultados indicaram eficácia de longa duração:
- 356 participantes tiveram dengue, com maior incidência no grupo placebo (228/5.976 = 3,81%) que no vacinado (128/10.259 = 1,24%);
- A eficácia contra a dengue foi mantida em 67,3% no período avaliado;
- A incidência de efeitos adversos sérios foi similar entre os grupos (6,2% em vacinados vs. 6,6%no placebo).
Mas qual a vantagem da nova vacina?
Só pessoas que já tiveram dengue podem usar a Dengvaxia®, que foi aprovada em 2015. Seu principal benefício era reduzir o risco de casos graves em infecções subsequentes, exigindo um esquema de três doses. Essa estratégia era interessante, especialmente enquanto ela era a única opção de vacina.
Em 2023, a QDenga® trouxe avanços ao oferecer proteção tanto contra a infecção quanto contra formas graves da dengue, podendo ser aplicada em pessoas sem infecção prévia. Apesar da incorporação ao SUS no mesmo ano, seu alto custo, necessidade de duas doses e oferta limitada restringem a distribuição
Agora, a Butantan-DV surge como uma alternativa promissora, com vantagens significativas: produção totalmente nacional, por instituição pública, reduzindo custos e aumentando a disponibilidade, além de um esquema de dose única, o que facilita a adesão e minimiza desperdícios.
Quando chega no SUS?
Após a solicitação de registro, a ANVISA solicitou novos dados em janeiro e fevereiro de 2025. Esse é um procedimento normal, que leva em conta o envio contínuo de resultados dos testes e esclarecimentos da equipe técnica que avalia o pedido. Com isso, espera-se que a resposta aconteça ainda no primeiro semestre do ano.
O Instituto Butantan já iniciou a escala de produção da vacina, com a previsão de 100 milhões de doses até 2027. O SUS pode incorporar a vacina após seu registro, justamente por ser mais estratégica em cenário nacional. O Ministério da Saúde – que financia o Instituto Butantan – anunciou a vacina recentemente.
Outras estratégias contra a Dengue também estão em estudo. No final de 2024, a ANVISA autorizou a realização de um teste clínico de um novo medicamento oral contra a doença no país. Você provavelmente vai ouvir mais sobre isso nos próximos anos.