Nova vacina contra dengue é disponibilizada no país

Postado por: Lucas Gazarini

A dengue conta com estratégias de imunização desde 2015, quando foi aprovada a Dengvaxia®. Uma limitação dessa vacina – além do custo – é o fato de ter o uso contraindicado em pessoas que nunca tiveram dengue, por aumentar o risco de desenvolvimento da doença e hospitalização, nesses casos. Por isso, é necessário comprovação da infecção anterior, seja pelo histórico médico ou avaliação sorológica (como teste rápido de IgG).

Deixando claro: essa vacina é útil para prevenir reinfecções e quadros mais severos, como a dengue hemorrágica. Por isso, essa estratégia preventiva é bastante interessante em regiões com incidência alta da infecção, com soroprevalência significativa. Contudo, a restrição ao público previamente infectado reduziu o impacto da medida profilática na população geral.

 

Surge uma nova opção no controle da dengue

A imagem mostra uma caixa com os dizeres: "QDenga®; Vacina dengue 1, 2, 3 e 4 (atenuada); Contém 1 frasco-ampola com pó liofilizado; 1 seringa preenchida com diluente (0,5 ml); e 2 agulhas; Via subcutânea. Uso adulto e pediátrico dos 4 aos 60 anos; 1 dose (0,5 ml)". Ao lado da embalagem, encontram-se os seus conteúdos: 2 agulhas, uma seringa e um frasco-ampola.

Apresentação farmacêutica da vacina QDenga®, disponibilizada na rede particular (Fonte: Takeda)

Esse cenário mudou no começo deste ano, quando a ANVISA aprovou o uso de uma nova vacina contra a Dengue. A QDenga® (Takeda Pharma) passou a ser comercializada no início de julho. A novidade chamou a atenção da mídia, principalmente pela indicação da vacina a qualquer pessoa, independente do histórico de dengue. Nesse caso, a medida preventiva teria maior alcance, com impacto potencial em reduzir o número de casos. O uso da vacina foi recomendado em nota técnica emitida pelas Sociedades Brasileiras de Imunizações (SBIm), de Imunologia (SBI) e de Medicina Tropical (SBMT).

QDenga® é uma vacina tetravalente, que contém cepas atenuadas dos 4 sorotipos do vírus da dengue (DENV-1 a 4), produzidos por tecnologia de DNA recombinante. A administração é subcutânea, com 2 doses em um intervalo de 3 meses, para pessoas de 4 a 60 anos. A soroconversão (produção de anticorpos específicos em quantidade significativa) acontece em mais de 90% dos indivíduos vacinados, para todas as cepas virais. Contudo, a produção de anticorpos não é um preditor direto para a eficácia da vacina, que foi avaliada em 3 estudos recentes (NCT02747927), que embasaram sua aprovação.

 

Ensaios clínicos de segurança e eficácia

No estudo publicado ao final de 2021, foram recrutadas crianças de 4 a 16 anos (n=20.099) em 8 países, que receberam a vacina ou placebo. Ao longo de 3 anos de avaliação, a eficácia cumulativa da vacina foi de 62% para a infecção e 83% para o desenvolvimento de quadros graves, que levaram à hospitalização. Como esperado, a eficácia caiu 3 anos após a imunização, com eficácia de 44,7% para infecção e 70,8% para hospitalizações. Não houve diferenças na eficácia considerando o histórico de dengue nos participantes.

Em uma avaliação de segurança, outro estudo (2022) analisou dados integrados de várias etapas de fase 2 e 3, incluindo participantes de 4 a 60 anos (n=21.794). Os efeitos indesejados mais comuns foram dor no local da aplicação e cefaleia, com ocorrência similar no grupo que recebeu placebo. A incidência das reações foi maior entre adultos (56%) e adolescentes (46%), quando comparados às crianças (37%).

O estudo mais recente (2023) avaliou os casos de infecções repetidas de dengue, que aconteceram até 57 meses após a primeira dose. Entre todos os participantes do estudo (n=20.067), apenas 18 tiveram reinfecções, com a maioria dos casos (n=13) no grupo que recebeu placebo. Em conjunto, os dados sugerem um risco até 5x menor em reinfecções em indivíduos vacinados.

É importante ressaltar que vários outros estudos de fase 3 foram publicados desde 2019 (1 / 2 / 3 / 4), além dos mencionados anteriormente, que são mais recentes. Um compilado desses resultados encontra-se descrito na bula da vacina. Ainda não foram publicados estudos sobre a necessidade de nova vacinação após alguns anos.

 

Como é o acesso à vacina?

Infelizmente, a vacina só é disponibilizada pela rede privada, com valores a partir de R$ 350 por dose. O pedido de incorporação da QDenga® no SUS já foi feito, o que claramente traria impactos epidemiológicos importantes no país. Mas a decisão de incorporação à rede pública precisa passar por uma avaliação criteriosa que considera vários aspectos e pode levar mais de um ano.

O impacto econômico é um critério avaliado nesse trâmite, o que pode pesar a favor de uma outra vacina em fase final de desenvolvimento. O Instituto Butantan divulgou dados preliminares de eficácia e segurança da sua vacina contra a dengue, feita completamente no Brasil. A análise de viabilidade da incorporação da QDenga® à rede pública pode ser adiada pela expectativa da vacina nacional, que provavelmente seria mais viável economicamente. Além disso, priorizar a versão brasileira seria uma forma de tornar a ciência e tecnologia nacionais mais competitivas. No entanto, demandas públicas passaram a pressionar o Ministério da Saúde para agilizar a incorporação da nova vacina ao SUS.

Com a perspectiva de vacinação em massa gratuitamente nos próximos anos, alguns pesquisadores alertam para o risco de “afrouxamento” no rigor do combate aos focos de proliferação do mosquito da dengue (Aedes aegypti) em resposta à “sensação de segurança” proporcionada pela imunização. Essas medidas preventivas devem ser mantidas para reduzir o risco da dengue entre pessoas que não estiverem imunizadas (seja por opção ou por contraindicações, lembrando que vacinação visa um benefício coletivo). Controlar a proliferação do mosquito também reduz a incidência de outras doenças virais transmitidas pelo mesmo vetor, como febre amarela, Zika e Chikungunya.

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